Sustentabilidade além das fronteiras: Repensando os impactos da globalização

A globalização é, ao mesmo tempo, um fenômeno histórico, econômico e cultural que moldou profundamente o mundo moderno. Seu conceito, frequentemente associado à ideia de um planeta interconectado, com fronteiras diluídas para o comércio, a informação e o capital, ganhou corpo a partir dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo como força dominante nas políticas econômicas globais. Os EUA e o Reino Unido, sob os governos de Reagan e Thatcher, foram os grandes impulsionadores desse modelo, que pregava a abertura de mercados, a redução do papel do Estado na economia e a ênfase no livre comércio como motor do desenvolvimento. Essa lógica neoliberal encontrou seu auge nos anos 1990, com a criação da Organização Mundial do Comércio, o avanço das cadeias globais de produção e o crescimento da internet como plataforma de integração e expansão do mercado. Houve conquistas inegáveis: o acesso a bens de consumo se ampliou, a ciência e a tecnologia se internacionalizaram, e o conhecimento fluiu de forma inédita.

No entanto, essa globalização também aprofundou desigualdades e escancarou contradições. O Sul global tornou-se exportador de matéria-prima barata para o Norte industrializado, repetindo lógicas herdadas da era colonial. Países ricos consolidaram-se como centros financeiros e tecnológicos, enquanto países em desenvolvimento continuaram vulneráveis a oscilações nos preços de commodities e à dependência de investimentos externos. Trabalhadores foram colocados em competição direta, e empregos industriais desapareceram nos EUA e na Europa, realocados para países com salários baixos e menos proteção ambiental ou social.

Hoje, a globalização está sob ataque — e não apenas por seus críticos históricos, mas também por aqueles que antes a defendiam. A pandemia, a guerra na Ucrânia, o acirramento das tensões entre EUA e China e os impactos da crise climática evidenciaram a fragilidade das cadeias globais. Países que antes defendiam o livre comércio agora erguem barreiras protecionistas e incentivam a produção local, em nome da segurança econômica e estratégica. O próprio governo dos EUA, outrora o maior defensor da globalização, adotou uma postura de “reindustrialização nacional” com fortes subsídios à produção interna — especialmente em setores considerados estratégicos, como semicondutores, energia limpa e inteligência artificial. Esse novo objetivo neoliberal americano parece menos comprometido com a “mão invisível” do mercado global e mais com a soberania econômica, a contenção da China e o reposicionamento de sua influência internacional. O discurso de liberdade de mercado dá lugar a uma lógica de segurança e competitividade nacional. Trata-se de uma nova versão do antigo comércio colonial — com alianças políticas travestidas de acordos comerciais, e com países em desenvolvimento mais uma vez empurrados para a função de fornecedores de insumos, especialmente em setores críticos como lítio, terras raras e alimentos.

O atual cenário geopolítico exige uma reflexão séria sobre os rumos da globalização. Se, por um lado, ela facilitou a colaboração internacional e o avanço de tecnologias que podem ajudar a enfrentar desafios como a crise climática, por outro, reproduziu dinâmicas predatórias de exploração, precarização do trabalho e concentração de riqueza. O dilema, agora, é encontrar um equilíbrio: um modelo de globalização mais justo, sustentável e baseado em solidariedade internacional — e não apenas em interesses estratégicos.

O futuro da globalização talvez dependa da capacidade de romper com o ciclo histórico que a vincula à exploração. Se falharmos, seguiremos apenas repetindo velhas fórmulas com nova roupagem. Se formos capazes de reinventá-la com responsabilidade, inclusão e equilíbrio, ela poderá, enfim, cumprir sua promessa de conexão verdadeira entre os povos.

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