O agro brasileiro é gigante — mas ainda não é sustentável o suficiente para jogar de igual pra igual com os grandes mercados internacionais. Em 2023, o setor ultrapassou US$ 100 bilhões em exportações, segundo a OECD, consolidando-se como uma das principais forças da economia nacional. O agro move a economia, gera empregos e é uma das maiores fontes de divisas do país.
Contudo, junto desse sucesso vem uma cobrança crescente: transparência, rastreabilidade e compromisso ambiental real. No cenário da concorrência internacional, o Brasil enfrenta desafios críticos para tornar esse sucesso também sustentável e competitivo frente aos padrões exigidos por blocos como a União Europeia (UE).
Neste artigo, exploramos como o país pode aprofundar a adoção de práticas alinhadas à UE, quais os temas fundamentais para uma concorrência mais justa e sustentável, e quais passos concretos podem ser dados por produtores, empresas e políticas públicas.
🌍 Contexto europeu: Padrões de importação
A União Europeia (UE) está redesenhando as regras do comércio agrícola global — e isso vai muito além de tarifas ou cotas de importação. O bloco europeu exige que todos os produtos importados cumpram os mesmos padrões de qualidade, segurança alimentar e sustentabilidade aplicados dentro de suas fronteiras. Em outras palavras, quem quiser vender para a Europa precisará provar que produz de forma limpa, justa e rastreável.
Essa política tem base em duas grandes forças: a pressão do consumidor europeu — cada vez mais atento à origem dos alimentos que consome — e o poder regulatório da UE, que hoje dita tendências globais de mercado. O Regulamento Europeu de Cadeias Livres de Desmatamento (EUDR), aprovado em 2023, é o exemplo mais emblemático: ele proíbe a entrada de produtos associados ao desmatamento, legal ou ilegal, após dezembro de 2020.
Além disso, a UE adota uma abordagem de evitar danos ambientais e impedir a “dumping” ambiental via importações de países com regulações mais frouxas. Este padrão cria uma expectativa global de que parceiros comerciais do Brasil deverão demonstrar rastreabilidade, práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) efetivas.
O desafio é institucionalizar boas práticas, garantir transparência ao longo da cadeia de valor e transformar sustentabilidade em requisito competitivo, não apenas em discurso. Em um cenário global onde mercados se tornam cada vez mais climáticos e éticos, o Brasil precisa agir rápido. A UE não quer apenas produtos — quer compromisso, rastreabilidade e coerência. E quem não se adaptar corre o risco de ver portas se fecharem.
🌱 Expansão com equilíbrio: um novo modelo de crescimento
Desmatamento e expansão agrícola descrevem o modelo atual da situação brasileira. De acordo com o relatório MapBiomas, entre 1985 e 2022, a área ocupada pela agricultura no Brasil cresceu cerca de 50%, alcançando 282,5 milhões de hectares, cerca de 10,6% do território nacional. Grande parte dessa expansão ocorreu sobre pastagens degradadas ou áreas recentemente convertidas, e estimativas apontam que 64% da expansão agrícola decorreu de desmatamento.
Segundo a OECD (2023), o setor agropecuário responde por cerca de 43,3% das emissões nacionais de gases de efeito estufa (GEE) — um percentual quatro vezes maior que a média dos países da organização (~10,1%). Esses números reforçam o contraste entre o potencial produtivo e a necessidade urgente de transição sustentável. Mas há também um lado promissor: a Embrapa estima que o Brasil possui 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com alto potencial de recuperação — uma área capaz de gerar produção adicional sem derrubar uma única árvore.
O caminho daqui em diante é claro: intensificar a produção sem expandir fronteiras. Isso inclui: Recuperar pastagens degradadas, ampliar sistemas integrados como lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e adotar modelos regenerativos e de baixo carbono. Essas soluções não são apenas boas para o meio ambiente — elas aumentam produtividade, reduzem custos e abrem portas em mercados premium, como o europeu.
🧭 Temas-chave para equalização de condições e competitividade
- Rastreabilidade e origem dos produtos
- Implantação de sistemas digitais de rastreabilidade que comprovem origem, não‑desmatamento, boas práticas trabalhistas e conformidade regulatória.
- Adotar padrões reconhecidos internacionalmente (ex: Roundtable on Responsible Soy – RTRS) e que facilitem acesso a mercados europeus.
- Necessidade: transparência na cadeia de valor, desde o produtor primário até o exportador.
2. Uso responsável de insumos e recursos naturais
- Redução de agrotóxicos e químicos banidos pela UE;
- Uso de tecnologias de agricultura de precisão.
3. Emissões, água e eficiência de recursos
- Estabelecer metas claras de redução de emissões no agro, acompanhamento por bioma e setor.
- Investimentos em tecnologias para monitoramento de água (ex: uso agrícola representa ~61,3% da abstração total no Brasil) segundo a OECD.
- Otimizar fertilizantes, reduzir excedentes de nitrogênio/fósforo que já estão acima da média da OECD.
4. Condições sociais e trabalhistas
- Garantir que cadeias produtivas estejam livres de trabalho análogo à escravidão, respeitem direitos trabalhistas e comunidades tradicionais.
- Capacitação técnica para pequenos produtores, incentivos à inclusão da agricultura familiar no mercado internacional.
5. Governança, transparência e certificações
- Fortalecer instituições públicas e privadas que auditam, certificam e acompanham o cumprimento de boas práticas.
- Políticas públicas que alinhem incentivos fiscais/financeiros à sustentabilidade e ao acesso a mercados exigentes.
6. Equidade comercial e barreiras regulatórias
- Incentivar crédito verde, seguro climático e apoio técnico para adoção de boas práticas.
- Participar ativamente das negociações internacionais, defendendo equivalência e reconhecimento mútuo de padrões.
- Monitorar e punir desmatamento ilegal, garantindo que a grande maioria da expansão agrícola ocorra em áreas já antropizadas.
🚀 Caminhos para implementação
A transição para um agro mais sustentável e competitivo começa no campo — e o protagonismo é dos produtores e cooperativas. O primeiro passo é mapear e documentar todas as práticas de produção, garantindo clareza sobre a origem, o manejo e os impactos ambientais de cada etapa. Essa transparência é essencial para quem busca acessar mercados exigentes como o europeu.
A tecnologia tem papel central nesse processo. Sistemas de monitoramento via satélite, drones e sensores já permitem acompanhar o uso do solo, medir emissões e assegurar a rastreabilidade em tempo real. Além disso, certificar propriedades com selos internacionais e divulgar essas certificações em feiras e canais comerciais internacionais reforça a credibilidade e abre novas oportunidades de exportação.
No caso das empresas exportadoras, o desafio está em integrar critérios de sustentabilidade aos requisitos para fornecedores, promovendo uma cadeia produtiva alinhada a boas práticas ambientais e sociais. O uso de blockchain e sistemas digitais de rastreamento pode garantir maior controle e confiabilidade sobre a origem dos produtos, enquanto a comunicação transparente com o mercado europeu ajuda a consolidar a imagem de um agro comprometido com padrões globais de responsabilidade.
Já no campo das políticas públicas, é urgente estabelecer metas nacionais claras de agro-sustentabilidade, acompanhadas de relatórios públicos periódicos que comprovem avanços e desafios. Essa governança é fundamental para dar previsibilidade aos investidores e credibilidade internacional ao país.
Mais do que boas intenções, o que o Brasil precisa agora são ações concretas, transparentes e verificáveis: rastreabilidade eficiente, uso racional de recursos naturais, integração social, governança robusta e cooperação internacional. Só assim o país poderá não apenas manter sua presença nos mercados globais, mas também se tornar um modelo de produção sustentável e competitiva.
🌿 O agro está diante de sua próxima grande colheita
O agro brasileiro encontra‑se num momento de transição essencial: entre o modelo de crescimento extensivo e a urgência de adotar práticas sustentáveis compatíveis com mercados internacionais como o da União Europeia. O futuro não será definido apenas por produtividade, mas por transparência, regeneração e cooperação internacional.
Negociar equivalência regulatória com a União Europeia, garantir conformidade comprovada e fortalecer a governança interna são passos essenciais para manter o Brasil competitivo — e, mais do que isso, respeitado internacionalmente. Mas esse movimento não deve significar abrir mão da autonomia nacional ou sacrificar o desenvolvimento interno com externalidades irreversíveis: o desafio é se alinhar sem se submeter, adotando padrões internacionais que fortaleçam o país por dentro, como nação, e o tornem ainda mais relevante lá fora, como exemplo de sustentabilidade.
O agro sustentável não é uma utopia — é o novo padrão de competitividade. O Brasil tem solo fértil, tecnologia de ponta e capital humano para liderar uma nova era do agro: uma era verde, responsável e globalmente relevante. O desafio é grande, mas as oportunidades são maiores ainda. E quem entender isso primeiro, vai colher os melhores resultados.
Fontes: OECD – Agricultural Policy Monitoring and Evaluation, 2023; European Commission – Regulation (EU) 2023/1115 on Deforestation-Free Supply Chains; MapBiomas, Relatório 2023; Embrapa – Relatório de Sustentabilidade 2023; Ministério da Agricultura e Pecuária; World Economic Forum – The Future of Nature and Business, 2020
